A Polarização "LULOPETISMO/BOLSONARISMO" e a Alternativa de um Projeto de Desenvolvimento.

Parte II.

O NÓ GORDIO BRASILEIRO

Como vimos no artigo anterior, a intensa polarização que tem marcado a política brasileira nos últimos anos, concentrada na disputa entre o lulopetismo e o bolsonarismo, revela um cenário complexo e multifacetado entre dois “Brasis”: “o Brasil das elites e o Brasil popular”.

Na Bahia, essa dinâmica não apenas se repete, mas assume contornos próprios ao integrar as profundas e históricas desigualdades políticas, econômicas e sociais com as forças e atuações personalistas e fisiológicas que figuram no “novo coronelismo”.

O “novo coronelismo”, neologismo político que se confirma na velha prática do uso da máquina pública e na demonstração autoritária de que, na política, o que vale é o dinheiro, a família, o poder e o grupo político de quem manda, independentemente do viés ideológico.

Surgido no final do século 19, o “coronelismo” foi um sistema político que vigorou no Brasil durante a República Velha (1889–1930), o qual teve como base moral o domínio político, econômico e social dos coronéis, que eram grandes proprietários rurais.

Esse fenômeno sociológico brasileiro, analisado desde o início do século passado, cujas características são mandonismo, clientelismo, voto de cabresto, nepotismo e a prevalência do privado sobre a gestão pública, ou seja, o uso da violência política, da força econômica e do Estado para oprimir e controlar o eleitorado, continua hoje com os mesmos grupos familiares, políticos e práticas dos antigos coronéis.

Em sua obra clássica “Coronelismo, enxada e voto”, publicada em 1948, Victor Nunes Leal traçou um estudo da vida política brasileira a partir do “sistema do coronelismo”: chefes políticos, proprietários de terras, senhores do bem e do mal, figuras marcantes na história e na literatura brasileiras, sendo também o sistema político da época.

Atualmente, o sistema político dos coronéis deu lugar ao sistema de alianças, que vai desde a base até o topo, nas três esferas de poder: União, Estados e Municípios, resultando num mecanismo de controle sobre a tomada de decisões nos três poderes do Brasil, a saber, Executivo, Legislativo e Judiciário.

Os novos coronéis são os donos dos partidos políticos, identificados com as grandes famílias que se apropriaram do poder no Brasil, principalmente nas regiões mais pobres, rateando a máquina pública entre seus familiares e colocando seus representantes mais próximos nas posições decisórias.

Esse novo coronelismo está presente na formação das maiores bancadas hoje existentes no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais, representantes, sobretudo, da “bancada BBB”: do Boi, da Bala e da Bíblia.

Os novos coronéis são os representantes mais exitosos dessas bancadas, travestidos de conservadores, defensores da família e apoiadores do status quo, desde que a mudança desse status seja para o benefício deles próprios e cujos principais temas da atualidade, como a justiça social, a reforma agrária, a questão ambiental, os direitos humanos e os direitos das minorias, seja nos grandes centros ou na zona rural, são tratados como pautas inconvenientes.

É com esse pano de fundo que o badalado lançamento da pré-candidatura à presidência da República de Ronaldo Caiado (UB), governador de Goiás, anunciada aos quatro cantos do país, aterrissa em Salvador, na próxima sexta-feira (4), movimentando os bastidores políticos.

Entretanto, os principais caciques do partido do pecuarista e governador de Goiás ainda se dividem sobre o anúncio, tendo em vista a possibilidade do União Brasil se federar com o Partido Progressistas (PP), cuja resistência é capitaneada principalmente pelo presidente nacional dos Progressistas, senador Ciro Nogueira.

Em entrevista para o Bahia Notícias nesta segunda-feira (31/03), o prefeito de Salvador Bruno Reis (UB) fez a seguinte declaração sobre a pré-candidatura de Ronaldo Caiado:

“é o melhor governador do Brasil. Tem a melhor avaliação em problemas graves que enfrentam hoje no país, não só na  segurança, mas na qualidade de educação e na geração de emprego e renda. Então o nome dele está à disposição para iniciar o diálogo e terá naturalmente o apoio do partido, é uma alternativa. É óbvio que essas definições só vão ocorrer ano que vem, onde todos os pretensos players estarão na mesa, para aí se definir quem será o candidato único das oposições. O que defendemos é que as oposições se unam em torno de um único nome que possa apresentar um projeto alternativo ao que está aí”.[1]

Ronaldo Caiado (UB) ilustra como poucos a ascensão da bancada do Boi (ruralista) no Congresso. O fundador da União Democrática Ruralista (UDR) é, desde os anos de 1980, um dos principais porta-vozes dos latifundiários na guerra – por vezes, literal – contra a reforma agrária. Não à toa, Caiado está entre os políticos que mais recebem dinheiro de empresários do agronegócio.[2]

Com este quadro categórico em tela, nesta segunda parte da nossa reflexão sobre o “nó górdio brasileiro”, aprofundaremos a análise das articulações dos partidos políticos baianos com vistas ao pleito eleitoral de 2026, tanto para a presidência do Brasil quanto para o governo do Estado da Bahia.

  1. POLARIZAÇÃO E PERDA DE FOCO

No artigo anterior, publicado em nosso Blog JustaMente, de 31 de março de 2025, vimos que nas últimas eleições a polarização entre o lulopetismo e o bolsonarismo reafirmou-se como um traço definidor tanto do debate político nacional, quanto do sistema de alianças político-partidária.

Enquanto o campo conservador - cuja maior representação é pelo eixo bolsonarista (apelo ao discurso em defesa da pátria, da família, do autoritarismo militar e da rejeição aos direitos humanos), o campo progressista – representado pelo lulopetismo e seus aliados – invoca extemporaneamente a continuidade da cosmovisão do governo Lula I.

Vimos também que o atual espectro político de esquerda, capitaneado pelo lulopetismo, pendura-se no torvelinho das práticas do “coronelismo de esquerda”, que hoje seguem prefiguradas tanto nos modelos de “pobrismo” (bolsa-auxílios), quanto nos de “rentismo” (financeirização).

Essa dicotomia restringe o debate a posições antagônicas, impedindo a construção de consensos que poderiam ampliar as alternativas para o desenvolvimento do país. Tal cenário é agudizado pela fragilidade do governo Lula III, que vem sendo atropelado pelos desafios tecnológicos, econômicos, sociais e institucionais que o Brasil enfrenta há décadas.

Em entrevista ao Valor Econômico, a Profa. Maria Hermínia Tavares de Almeida, afirma que o problema do governo Lula III é uma questão de perda de foco, limitado pela configuração de forças no Congresso, por alguma perda de apoio na opinião pública e por suas fragilidades internas, localizadas no coração do governo, no Palácio do Planalto.[3]

Uma das possíveis razões dessas fragilidades do governo Lula III poderia ser o fato de que, por um lado, o atual Congresso esteja majoritariamente nas mãos do centrão e, por outro lado, a atual administração Lula esteja ideologicamente distante dos partidos aliados.

Ou seja, na tela política que se apresenta para o conjunto da população brasileira, temos um presidente de centro-esquerda, emoldurado por um Congresso controlado pelo centrão de direita e centro-direita, pendurado num Planalto e gabinetes inclinados muito mais à esquerda.

Esse quadro, sem Sabedoria, nem Força e nem Beleza, não consegue acertar o foco, prejudicando seu protagonismo, fazendo com que a maioria das propostas que partem dos ministros de esquerda e centro-esquerda não seja bem recebida pelo Legislativo de direita e centro-direita, e vice-versa.[4]

Essa perda de protagonismo e, consequentemente, de comando, vem dificultando, por uma mão, a capacidade do governo Lula III de gerenciar os conflitos derivados dessa polarização e, por outra mão, causando profundos impactos tanto na popularidade como na imagem do presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Em entrevista à CNN Brasil, Edinho Silva, Ex-prefeito de Araraquara (SP), cotado para assumir a presidência do PT, admitiu que o governo do presidente Lula reconhece o ambiente de polarização no Brasil, dizendo que “é nítido que temos uma dificuldade grande de romper com essa polarização que está instituída”.[5]

Fato é que em recente pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas, 63,3% declaram desaprovar a gestão do petista. Em julho do ano anterior, o nível de rejeição ao presidente estava em 55,7% – isto é, um aumento de 7,6 pontos percentuais ao longo de nove meses.[6]

  1. ARTICULAÇÕES POLÍTICO-PARTIDÁRIAS NA BAHIA

Na Bahia, os principais líderes e partidos – entre eles, o governador Jerônimo Rodrigues (PT), o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (UB) e o prefeito Bruno Reis (UB), posicionam-se dentro do mesmo espectro polarizado, onde a disputa central é entre a continuidade da cosmovisão petista e as propostas conservadoras de renovação trazida pela regência bolsonarista. No meio, permanece o centrão atuando como uma força intermediária para as articulações entre ambos os espectros.

Esse tabuleiro político reflete tanto a polarização nacional, quanto a mesma fragilidade do governo Lula. Parte da explicação para os resultados desfavoráveis a Jerônimo Rodrigues podem estar na avaliação que a população faz do governo Lula III, resvalando no governo Jerônimo I.

Segundo pesquisas, a administração petista do Palácio de Ondina é questionada pela população baiana. A soma entre aqueles que consideram o trabalho “bom” ou “ótimo” é de 33,6%, numericamente abaixo daqueles que dizem que a atuação é “ruim” ou “péssima” (39%). Os que avaliam como “regular” são 25,7%.[7]

Posicionamento dos Líderes Locais

Jerônimo Rodrigues (PT), é o atual representante da tradição do governo Lula e das políticas sociais na Bahia que, em 2026, completará 20 anos no poder, garantindo apoio do governo Federal, especialmente em áreas onde as conquistas do campo progressista são mais visíveis.

Contudo, o governo de Jerônimo Rodrigues (PT) na Bahia tem aprovação de 61%, segundo nova pesquisa do Genial/Quaest. Dentro deste cenário, 50% do eleitorado baiano acredita que o político merece um segundo mandato em 2026. Contudo, essa possível conquista não seria fácil.[8]

A queda na popularidade do governador Jerônimo Rodrigues, deu uma injeção de ânimo aos quadros do espectro político de direita, vislumbrando-se o avanço das tratativas para a formação de uma federação com o União Brasil, sigla que tem ACM Neto como vice-presidente nacional.

Todavia, 85% a 15% é a diferença entre o número de prefeituras geridas pelo grupo de partidos que compõe a base de apoio do governador Jerônimo Rodrigues (PT) e a oposição, na Bahia. Ou seja, 358 prefeituras baianas estão ligadas ao PT, enquanto 59 seguem as legendas ligadas a ACM Neto.

A base aliada do governador Jerônimo Rodrigues (PT), formada por 10 partidos (PT, PCdoB, PV, PSD, Avante, MDB, PSB, Podemos, Solidariedade e Agir) que elegeu a imensa maioria dos 416 prefeitos da Bahia, segue com força superior para 2026.

Em números exatos, os partidos participantes do grupo governista no estado elegeram 309 prefeitos, contra 107 da oposição. O desempenho é melhor do que o conseguido pela aliança formada pelo então governador Rui Costa (PT) nas eleições de 2020, quando a base abocanhou 285 prefeituras.[9]

Surpreendentemente, o Partido dos Trabalhadores cresceu na Bahia, saindo de 32 prefeitos em 2020, na administração Rui Costa, para 49 gestores municipais eleitos em 2024, com Jerônimo Rodrigues, recuperando a força e as esperanças da legenda para a renovação do partido, que tem sofrido para formar novas lideranças.[10]

Na oposição, o quadro político é desalentador, tendo o Partido Progressistas encolhido de 92 prefeituras em 2020 para 41 em 2024. O União Brasil, que não existia em 2020, herdou 37 prefeituras do ultrapassado Democratas (DEM) e 1 do fundido Partido Social Liberal (PSL).

No espectro político de centro-direita, ACM Neto (UB) tem se posicionado de forma a se aproximar das críticas aos modelos tanto lulopetista quanto bolsonarista, na intenção de captar, por um lado, o eleitorado insatisfeito com o governo estadual e, por outro lado, os órfãos do bolsonarismo no âmbito baiano.

Na ponta deste espectro político, Bruno Reis (UB) vem criticando a polarização exacerbada entre o bolsonarismo e o lulopetismo, defendendo uma postura com foco no trabalho e na eficiência administrativa, sem se alinhar completamente a qualquer um dos lados.

O Centrão ficou de fora da Bahia?

A 20ª Legislatura da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) fez uma interessante composição, onde os partidos governistas são MDB, SD, Podemos, PT, PCdoB, PV, PSD, Avante, PP, PSB e Rede. Já a oposição está composta por União Brasil, PSDB, PDT, Republicanos e PRD. Todos estes partidos possuem uma ou mais prefeituras sob comando. O centrão, composto por partidos que historicamente atuam como articuladores e negociadores de bastidores, está fragilizado na conjuntura estadual, mas fortalecido na administração Bruno Reis, mirando as eleições de 2026.

Levando-se em consideração a totalidade da coligação que elegeu o chefe do Palácio Thomé de Souza, com 13 partidos (União Brasil, Republicanos, PP, PDT, PL, PRD, DC, PRTB, Novo, Mobiliza, PMB e a Federação PSDB-Cidadania), ficou em 37 o número de vereadores eleitos pelas legendas aliadas à gestão municipal.

A maioria desses partidos, ainda que nacionalmente tenham orientações específicas, tendem a se posicionar de acordo com as linhas programáticas do União Brasil (UB), em agrado ao prefeito e ao vice-presidente do UB nacional, ACM Neto, em busca de benefícios e do abocanhamento de mais cargos públicos.

Essa dinâmica evidencia que, mesmo entre os atores políticos da "boa terra", os posicionamentos partidários se reduzem a uma polarização entre bolsonarismo e lulopetismo, com um centrão no meio. Todavia, é preciso maior discernimento para avaliar qual será a direção e intensidade dessa dinâmica para 2026.

  1. IMPLICAÇÕES PARA AS ELEIÇÕES DE 2026

O cenário político baiano aponta para uma disputa acirrada em 2026, tanto no âmbito das eleições para Presidente da República, quanto para Governador do Estado, sinalizando a continuidade da divisão entre os dois grandes campos. O eleitorado, pressionado por um ambiente de incertezas, com crises econômicas, rupturas sociais e esgarçamentos morais, buscará, inevitavelmente, por aquelas soluções que prometam maior segurança social e estabilidade econômica.

Nos dois extremos para a sucessão do Palácio de Ondina, temos as articulações dos principais líderes locais, a saber, ACM Neto e Jerônimo Rodrigues que, circunscritos à mesma polarização e apostando na mesma lógica do “nós contra eles”, poderá limitar a emergência de propostas inovadoras que solucionem os problemas centrais da Bahia.

No meio, temos o centrão como elemento de barganha, posicionando-se entre o lulopetismo e o bolsonarismo, podendo tanto moderar os extremos quanto reforçar as polarizações, uma vez que a sua estratégia sempre se orientou para a manutenção do status quo político.

Esses desafios evidenciam a necessidade de um debate que vá além das disputas eleitorais e que concentre esforços na construção de um projeto de desenvolvimento que una as forças em torno de uma visão comum para o futuro da Bahia e do Brasil.

ROMPENDO O NÓ GÓRDIO: A CHAVE PARA A TRANSFORMAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA

Concluímos que a polarização entre o lulopetismo e o bolsonarismo vai além de uma mera divisão ideológica, representando um complexo entrelaçamento de interesses e estratégias partidárias que se manifestam nas formações dos blocos governista e oposicionista, em níveis nacional e local.

Ao examinarmos as movimentações para compor esses blocos e avaliarmos a correlação de força dos principais atores políticos dos espectros de direita e de esquerda, verificamos que tais dinâmicas são fundamentais para compreender os rumos da política nacional.

Em continuidade com o artigo anterior, o debate exposto neste trabalho evidencia que a articulação partidária não é estática, mas sim um processo dinâmico que reflete tanto a história política brasileira quanto a necessidade de um novo projeto nacional de desenvolvimento.

Por isso, este artigo revela a imperiosa necessidade de repensarmos as bases do pacto político nacional. Em nossa próxima reflexão, finalizaremos essa análise apresentando uma alternativa inovadora e prática para romper o nó górdio que aprisiona a política brasileira.

A proposta de um projeto nacional de desenvolvimento, baseada no fio da história nacional, emerge como uma resposta aos desafios impostos pelas dinâmicas partidárias que, embora complexas, oferecem oportunidades de renovação política, progresso econômico e equilíbrio social.

Convidamos você, leitor e leitora, a continuar acompanhando esse debate transformador em nosso Blog JustaMente e em nossas redes sociais, onde a construção de um futuro mais equilibrado e sustentável para o Brasil e para a Bahia se torna um objetivo coletivo.

Ricardo Justo - Educador, Ambientalista e Acadêmico de Ciência Política

Crédito da imagem: Gerada por IA.

O Nó Gordio Brasileiro

A Polarização "LULOPETISMO/BOLSONARISMO" e a Alternativa de um Projeto de Desenvolvimento. Parte II.

O Nó Gordio Brasileiro - A Polarização "Lulopetismo/Bolsonarismo" e a Alternativa de um Projeto Nacional de Desenvolvimento (Parte II)

Como vimos no artigo anterior, a intensa polarização que tem marcado a política brasileira nos últimos anos, concentrada na disputa entre o lulopetismo e o bolsonarismo, revela um cenário complexo e multifacetado entre dois “Brasis”: “o Brasil das elites e o Brasil popular”.

4/2/2025

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