O GRANDE GOLPE CONTRA O INSS

Teste crítico à integridade das instituições e o desafio dos partidos políticos.

O Brasil está diante de mais um escândalo de proporções sistêmicas. Trata-se do maior esquema de fraude já identificado contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com a utilização criminosa de benefícios assistenciais e previdenciários.

Até então, o maior esquema de fraude contra o INSS no Brasil, conhecido como o "Caso Jorgina de Freitas", ocorreu no início da década de 1990, revelando uma complexa rede de corrupção que envolvia membros do Judiciário, advogados, procuradores do INSS e outros servidores públicos, resultando em um desvio estimado de até R$ 2 bilhões dos cofres da Previdência Social.[1]

A quadrilha era liderada pela advogada e procuradora previdenciária Jorgina Maria de Freitas Fernandes e pelo juiz Nestor José do Nascimento, da 3ª Vara Cível de São João de Meriti, no Rio de Janeiro. O grupo operava por meio da fabricação de processos judiciais fraudulentos, nos quais indenizações eram concedidas com valores superfaturados — em alguns casos, até 60.000% acima do devido. Além disso, utilizavam nomes de pessoas falecidas para requerer benefícios indevidos.[2]

As investigações revelaram que, entre 1988 e 1990, o esquema desviou cerca de US$ 600 milhões (equivalente a aproximadamente R$ 1,6 bilhão na época). Somente Jorgina de Freitas foi responsável por desviar cerca de US$ 112 milhões. Após a descoberta do esquema em 1991, ela fugiu do país e permaneceu foragida por cinco anos, até ser capturada na Costa Rica em 1997 e extraditada para o Brasil em 1998. Jorgina foi condenada a 14 anos de prisão e obrigada a devolver mais de R$ 200 milhões ao INSS.[3]

O Distrito Federal teve a segunda maior operação contra fraudes previdenciárias feitas no país, a Lapa da Pedra, em junho de 2015. O grupo apanhado no desvio de recursos do INSS atuava na concessão de benefícios de aposentadorias rurais e urbanas por invalidez, idade, ou tempo de contribuição, além de pensões e auxílios-doença. As fraudes eram praticadas desde 2005 e deram um prejuízo de, pelo menos, R$ 31 milhões.[4]

Em 23 de abril de 2025, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União deflagraram a “Operação Sem Desconto”, com o objetivo de combater um esquema nacional de descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões.

As investigações identificaram a existência de irregularidades relacionadas aos descontos de mensalidades associativas aplicados sobre os benefícios previdenciários, principalmente aposentadorias e pensões, concedidos pelo INSS. Até o momento, as entidades cobraram de aposentados e pensionistas o valor estimado de R$ 6,3 bilhões, no período entre 2019 e 2024.[5]

Conforme a coluna do jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, publicada neste domingo (1º), a Polícia Federal (PF) deve enviar parte das investigações sobre as fraudes no INSS para o Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo Jardim, deputados federais e senadores estão implicados no sistema de fraudes, tratando-se de uma bancada de razoável número.[6]

Esses casos de desvios têm profundas implicações para a administração pública brasileira, evidenciando, no caso, a vulnerabilidade do sistema previdenciário a fraudes em larga escala e a necessidade de reformas estruturais para fortalecer os mecanismos de controle e fiscalização.

Além das implicações críticas para a administração pública, estes escândalos também destacam a importância da transparência e da integridade no serviço público, servindo como um marco na luta contra a corrupção institucionalizada no país.

Com esse quadro categórico em tela, no artigo de hoje refletiremos sobre a urgência de se colocar um marco na luta contra a corrupção institucionalizada no Brasil. No primeiro ponto do artigo, trataremos da “máquina de fraudes e a erosão da confiança”. O segundo ponto aborda “a crise como teste das instituições”. O terceiro ponto chama a nossa atenção para “o papel dos partidos políticos”, com um “estudo de caso”. Concluiremos o artigo com uma reflexão sobre a urgência de se “refundar a ética no sistema político brasileiro”.

Boa leitura!

A MÁQUINA DE FRAUDES E A EROSÃO DA CONFIANÇA

O escândalo que envolve o maior esquema de fraudes já identificado contra o INSS não é apenas um problema criminal; trata-se de um sintoma avançado da falência dos mecanismos de integridade institucional em áreas críticas do Estado brasileiro.

A manipulação de benefícios previdenciários, feita com base em atestados médicos forjados, servidores corrompidos e estruturas administrativas coniventes, revela o que Bo Rothstein (2011) denomina de “má governança sistêmica”, caracterizada pela presença contínua de redes informais que substituem as normas legais por lealdades pessoais, ganhos ilícitos e cumplicidade estrutural.

Vejamos que em meio aos escândalos de corrupção no INSS, no dia 27 de maio de 2025, terça-feira, a Polícia Federal deflagrou a “Operação Destoante”, com o objetivo de combater fraudes na concessão de benefícios previdenciários do INSS. A ação ocorreu em Chapecó, Santa Catarina, onde foram cumpridos cinco mandados de busca e apreensão e duas ordens de afastamento de funções públicas.[7]

Segundo o cientista político sueco, Bo Rothstein, a corrupção sistêmica se alastra quando as instituições falham em estabelecer mecanismos de controle horizontal efetivos, e quando a cultura política aceita a prática como inevitável. Nesse contexto, o caso do INSS funciona como termômetro e espelho: mede o grau de institucionalidade do país e reflete a fragilidade de nossas estruturas de controle e fiscalização.[8]

A erosão da confiança pública não se limita ao campo administrativo — ela afeta diretamente a legitimidade do Estado, dos Partidos Políticos e das políticas públicas, lembrando que a sociologia da ação pública atribui importância central a elementos analíticos que envolvem o papel das ideias, do conhecimento, das instituições, dos interesses, dos instrumentos e dos indivíduos.

Como alerta o filósofo e economista político nipo-estadunidense, Francis Fukuyama (Yoshihiro Francis Fukuyama), a confiança é um ativo institucional central nas sociedades modernas, pois define o grau de cooperação entre Estado e cidadão.[9]

Em sua obra “Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade”, Fukuyama nos adverte para o fato de que “quando o cidadão comum percebe que há uma elite política e burocrática com privilégios, que manipula os recursos públicos para interesses privados, instala-se uma cultura de ceticismo cívico, na qual todos passam a duvidar da justiça e do mérito das instituições”.

Neste contexto de corrupção institucionalizada, a máquina de fraudes operada contra o INSS representa um duplo colapso: o da fiscalização interna do Estado e o da confiança social que legitima a própria existência da seguridade social como um bem comum.

Identificar esse colapso e enfrentá-lo com reformas estruturais, transparência e responsabilização é o primeiro passo para reconstruir o “pacto republicano”, referindo-se a um conjunto de acordos e iniciativas conjuntas entre os três poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) com o objetivo de promover melhorias no sistema de justiça, fortalecer a democracia e restaurar a base de confiança da população brasileira.

A partir disso, os órgãos de fiscalização e controle, o sistema judiciário, os partidos políticos e a sociedade organizada podem – e devem – propor novas formas de controle público com base na ética da responsabilidade e na cultura da integridade, possibilitando a recuperação da confiança da sociedade na garantia de que os recursos públicos serão utilizados de forma ética e responsável.

A CRISE COMO TESTE DAS INSTITUIÇÕES

A crise, em qualquer regime democrático, atua como um revelador da solidez ou fragilidade de suas instituições. Em contextos de instabilidade, seja por razões econômicas, políticas ou sociais, as instituições deixam de operar em seu modo ordinário e são postas à prova em sua capacidade de assegurar a continuidade do Estado de Direito, proteger os direitos fundamentais e garantir o equilíbrio entre os poderes.

Conforme os cientistas políticos Juan Jose Linz e Alfred Stepan (1996) - notáveis por suas análises das transições democráticas e da consolidação da democracia em diferentes países, especialmente na Europa e na América Latina no estudo sobre rupturas democráticas -, “as instituições são o campo de batalha das crises; nelas se definem os limites do possível e do admissível”.

Estes teóricos oferecem um quadro complexo e multifacetado para a análise da democratização, destacando a importância da liberalização, da competição política, da consolidação das instituições democráticas e da compreensão do contexto histórico e cultural de cada país.[10]

O Brasil, ao longo das últimas décadas, viveu sucessivas situações que funcionaram como testes institucionais decisivos, como, por exemplo: o processo de impeachment de Fernando Collor (1992); a crise energética e os protestos populares (2013); a crise da Operação Lava Jato, de grande turbulência política, econômica e social (2014); os embates judiciais e políticos do processo de destituição de Dilma Rousseff (2016); a crise sanitária da pandemia de COVID-19 (2020/22); as ameaças autoritárias durante o governo Bolsonaro (2020/22) e, mais recentemente, o atual esquema bilionário de fraudes envolvendo o INSS, no governo Lula III.

É fundamental analisar esse quadro de corrupção institucionalizada como um “problema multifacetado”, posto que envolve falhas estruturais que permitem desvios de recursos e fraudes em larga escala. Por isso, focamos nas causas sistêmicas, como a falta de fiscalização, o conluio entre agentes públicos e privados (sindicatos e associações, por exemplo), e a fragilidade das instituições.

A escala dos desvios, envolvendo descontos irregulares em benefícios do INSS, que atingiram milhões de pessoas e bilhões de reais (ainda em apuração), segundo os resultados, evidencia a gravidade da crise e a necessidade de reformas profundas.[11]

Em todos esses episódios citados mais acima, o funcionamento das instituições - como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional, o Ministério Público, os Partidos Políticos e os órgãos de controle - esteve no centro do debate público, ora reafirmando seu papel de contenção, ora sendo questionado por omissão ou partidarismo.

Conforme alguns autores contemporâneos, como Guillermo O'Donnell (2004) e Francis Fukuyama (2014), democracias consolidadas não dependem apenas de normas legais, mas de uma cultura institucional que valorize a autonomia, a responsabilidade e a confiança pública.

Em momentos de crise, tal qual a nação brasileira está passando, essa cultura é esgarçada, cujos resultados devem revelar se o pacto democrático está realmente consolidado ou se ainda depende de lideranças carismáticas e arranjos institucionais viciados.

Portanto, ao abordar a crise como um teste das instituições, com a recente fraude no INSS, envolvendo associações de classe, estruturas públicas, partidos políticos e pessoas com mandatos ou cargos públicos, torna-se imprescindível compreender não apenas os fatos conjunturais, mas a qualidade e a densidade institucional acumulada ao longo do tempo.

O horizonte histórico da crise no INSS, nesse sentido, é menos uma exceção e mais uma oportunidade analítica para avaliar o funcionamento real da nossa democracia, para além de seus textos constitucionais e mais perto de sua prática social efetiva.

O PAPEL DOS PARTIDOS: ENTRE A NEGAÇÃO E A REFUNDAÇÃO

Os partidos políticos são pilares fundamentais das democracias representativas modernas, funcionando como canais institucionais entre o Estado e a Sociedade Civil. Todavia, a maior parte dos partidos políticos brasileiros enfrenta hoje um problema crônico de desvinculação ética de sua base social.

Nas últimas décadas, na maioria absoluta dos países democráticos da Europa, Estados Unidos, América Latina, especialmente em contextos de crise democrática, os partidos têm sido alvos crescentes de descrédito, desconfiança e negação por parte da opinião pública.

Essa tendência, marcada por um discurso antipolítico que associa os partidos à corrupção, ineficiência ou distanciamento das demandas populares, tem alimentado fenômenos como o crescimento de “outsiders”, o enfraquecimento da representatividade e a fragmentação do sistema político.

Conforme assinala Yascha Mounk, (2018), essa erosão sistemática da confiança da população nos partidos políticos, tem sido um dos combustíveis para a ascensão de líderes populistas que prometem falar "em nome do povo" contra as “elites do sistema”.[12]

No caso brasileiro, o descrédito nos partidos é particularmente acentuado pela fragilidade das fronteiras ideológicas. Segundo dados do “Latinobarometro”, organização privada sem fins lucrativos, com sede em Providencia, Chile, apenas 9% da população confia nos partidos políticos — um dos índices mais baixos da América Latina.[13]

Esse fenômeno não é apenas resultado de escândalos de corrupção, como os da Operação Lava Jato e da recente fraude no INSS, mas também da incapacidade dos partidos de se adaptarem às novas formas de mobilização política, à sociedade em rede e às pautas emergentes.

Como lembra o cientista político Leonardo Avritzer (2019), “o Brasil vive uma tensão entre a centralidade legal e institucional dos partidos e sua crescente irrelevância social”, especialmente entre os mais jovens, sobretudo das áreas urbanas.[14]

A crise dos partidos, entretanto, não significa necessariamente seu fim, mas impõe a necessidade de uma profunda refundação. Isso envolve desde a democratização interna das estruturas partidárias, passando pela construção de identidades ideológicas coerentes, até a rearticulação com movimentos sociais, coletivos territoriais e novas formas de militância digital.

Como aponta Boaventura de Sousa Santos (2016), “ou os partidos reinventam sua função representativa de forma enraizada nas demandas sociais concretas, ou se tornarão estruturas obsoletas em um sistema formalmente democrático, mas politicamente esvaziado”.[15]

Portanto, propomos discutir, através de um estudo de caso, os dilemas contemporâneos da representatividade partidária, suas contradições internas e as possibilidades de reinvenção. Em jogo, não está apenas o futuro das siglas, mas a própria vitalidade do processo democrático em contextos de deslegitimação institucional e polarização crescente.

ESTUDO DE CASO: O QUE DEVE FAZER O PDT

Num cenário de esgotamento das formas tradicionais de representação política, crescente desconfiança nos partidos e aprofundamento das desigualdades sociais, apresentamos como estudo de caso o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o qual se encontra diante de um duplo desafio: resistir à irrelevância e, ao mesmo tempo, reinventar-se como força orgânica e propositiva no campo democrático-popular.

Fundado em 1979 sob a liderança de Leonel Brizola, o PDT carrega consigo um legado histórico ancorado nos ideais do trabalhismo de Getúlio Vargas, Alberto Pasqualini, João Goulart, entre outros, com forte presença nas defesas da educação pública de qualidade, dos trabalhadores e da soberania nacional.

Conforme estudos sobre o funcionamento das instituições políticas, sobretudo o comportamento dos atores políticos nos processos decisórios, a herança programática, por si só, não assegura relevância política; é preciso atualizar o discurso e a prática partidária frente às novas realidades sociais, econômicas e tecnológicas.[16]

O PDT, que já foi protagonista em pautas estruturantes do desenvolvimento nacional — como a ampliação da “Educação Integral”, a defesa da Petrobras e a crítica ao modelo neoliberal —, tem hoje a oportunidade de se recolocar no centro do debate público como uma alternativa à polarização tóxica entre conservadorismo reacionário e progressismo performático.

Para isso, torna-se imperioso aprofundar sua inserção nos Estados e Municípios, formando novas lideranças para dialogar com os setores sociais tanto políticos, quanto populares, associativos, religiosos e empresariais, apresentando um projeto de desenvolvimento nacional coerente, com base histórica, escuta social e inovação institucional.

Como aponta André Singer (2012), a vitalidade de um partido está diretamente relacionada à sua capacidade de articular sujeitos coletivos com identidade própria e projetos de futuro, processo que valoriza a participação, a reflexão e a construção da sociedade de forma conjunta.[17]

Andre Singer faz uma análise aprofundada do fenômeno político que se estabeleceu no Brasil com o governo Lula, destacando a combinação de medidas que beneficiam tanto as classes populares, quanto grande capital, e a importância do apoio do subproletariado (“pobrismo”) para a consolidação do lulismo.

Singer analisa o fenômeno político que surgiu no Brasil com o governo Lula e sua reeleição, caracterizado por uma combinação de medidas distributivas para as classes populares e a manutenção de políticas macroeconômicas favoráveis ao capitalismo financeiro (“rentismo”).

O autor explora, ainda, como o "pacto conservador" foi fundamental para a consolidação do lulismo, permitindo que Lula e, posteriormente, Dilma Rousseff, obtivessem o apoio massivo do subproletariado. ele também analisa a dinâmica de classe e poder no Brasil, com foco no papel do subproletariado e na trajetória eleitoral do PT.

Vejamos que o que está em jogo é a reinserção do Partido Democrático Trabalhista como ator estratégico na refundação do campo democrático e popular brasileiro, diante de uma conjuntura marcada pela erosão da confiança nas instituições e pela captura da política por interesses corporativos ou personalistas.

Isso exige, como escreveu Darcy Ribeiro (1995), “um projeto civilizatório próprio”, comprometido com a superação das desigualdades históricas, a valorização do saber nacional-popular e a radicalização democrática em todas as suas dimensões.[18]

Portanto, devemos buscar não apenas formular propostas táticas para o reposicionamento partidário, mas apontar caminhos estratégicos para que o partido reassuma seu papel como vanguarda ética, intelectual e popular da democracia brasileira.

O que está em disputa é a capacidade de um partido histórico de se tornar, mais uma vez, protagonista de um novo ciclo de transformação social no país, o que coloca uma questão para as atuais lideranças do PDT: “que metodologia está sendo utilizada para buscar soluções para conter a instabilidade e fortalecer a confiança do público na instituição”?

As lideranças partidárias têm a responsabilidade de atuar como mediadoras e articuladoras, propondo soluções para a crise institucional, com vistas a fortalecer a confiança da população. Isso requer comprometimento com a transparência, o diálogo e a defesa dos princípios democráticos, além de um firme combate à corrupção.

A REFUNDAÇÃO ÉTICA DO SISTEMA POLÍTICO

Como ponto de partida, chamamos a atenção do nosso leitor para as semelhanças e diferenças dos conceitos de “Ética” e “Moral”, os quais são conceitos relacionados, mas com diferentes focos. A “Ética” é uma reflexão filosófica sobre princípios que guiam a conduta humana, enquanto a “Moral” são normas e valores de um grupo social que determinam o que é considerado correto ou incorreto.

A crise estrutural da democracia brasileira não é apenas institucional, mas profundamente moral e ética. A sucessiva erosão da confiança nos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), nos partidos políticos, nas lideranças e nos mecanismos de representação, revela uma desconexão entre a política formal e os valores éticos que deveriam sustentar o pacto democrático.

A corrupção sistêmica, o uso patrimonialista do Estado, o clientelismo enraizado e o esvaziamento dos ideais coletivos corroeram os fundamentos de legitimidade do sistema político. Esses fatores, interligados, pulverizam a confiança na governança e nas instituições, demonstrando uma crise de legitimidade das instituições políticas brasileiras.

A corrupção e o patrimonialismo distorcem a alocação de recursos e o acesso ao poder, enquanto o clientelismo perpetua relações de favorecimentos. O esvaziamento dos ideais coletivos enfraquece o senso de propósito compartilhado, aprofundando a crise de legitimidade.

Como assinala o sociólogo Manuel Castells (2018), “a crise de legitimidade é, antes de tudo, uma crise moral, porque os cidadãos deixam de acreditar que as instituições públicas operam em nome do bem comum”. No caso brasileiro, a crise moral das instituições públicas vem abalando a confiança da população nas funções administrativas, institucionais e políticas.[19]

A refundação ética exige, portanto, mais do que reformas legais ou ajustes administrativos. Exige uma nova cultura política, centrada na ética pública, na responsabilidade cívica e na valorização da política como instrumento de transformação social. Essa refundação não será conduzida por decretos, mas por práticas concretas que devolvam à sociedade a esperança no fazer político.

Como assinalou Norberto Bobbio (1984), “a democracia não sobrevive sem cidadãos democráticos”, o que implica educar para a democracia, cultivar lideranças comprometidas com valores republicanos e resgatar a política como bem comum.[20]

No Brasil, esse processo passa inevitavelmente pela revitalização dos partidos políticos como mediadores legítimos entre o Estado e a Sociedade. É preciso romper com o ciclo de pragmatismo vazio que subordina os programas às oportunidades eleitoreiras. Em seu lugar, deve-se construir projetos de longo prazo que articulem ética, justiça social e desenvolvimento sustentável.

Experiências como a do Movimento Pedagógico Latino-americano ou o municipalismo de base popular apontam caminhos viáveis para uma ação política enraizada e ética, conforme aponta Enrique Dussel (2012), cuja tese central é a necessidade de construir uma ética que se oriente pela experiência da pobreza e da opressão, buscando a libertação dos oprimidos e a reconstrução de um mundo mais justo.[21]

A refundação ética do sistema político, por fim, não é uma utopia abstrata, mas uma tarefa histórica. Ela requer coragem para confrontar privilégios, lucidez para pensar novos pactos institucionais e disposição para ouvir as vozes das periferias, dos territórios populares e das minorias silenciadas.

Se a política não se reconciliar com a ética, será cada vez mais ocupada pelo cinismo dos grupos políticos fisiológicos, que são parlamentares que agem de forma predominantemente pragmática, buscando benefícios e vantagens individuais ou de seus grupos em detrimento do interesse público ou de uma visão de longo prazo para a política.

Estes grupos fisiológicos, os quais se encontram à direita, à esquerda e ao centro do espectro político brasileiro, tomam decisões políticas frequentemente condicionadas por barganhas e acordos que envolvem a concessão de benefícios públicos em troca de dinheiro, apoio ou votos.

Além da política brasileira ter sido sequestrada pelos grupos fisiológicos, ela tem contado com a indiferença da população que sofre todo tipo de barbárie. Mas se formos capazes de reencantar o coletivo com princípios e práticas justas, poderemos reconstruir o horizonte de uma democracia mais plena, radical e inclusiva.

Ricardo Justo - Educador, Escritor e Gestor

[1] Quem foi Jorgina de Freitas, fraudadora do INSS que morreu após acidente de carro. Acesso em 01/06/2025.

[2] Folha Online - Dinheiro - Saiba quem é Jorgina Maria de Freitas; entenda o caso - 27/09/2000. Acesso em 01/06/2025.

[3] Condenada por golpe no INSS terá de devolver R$ 200 mi | Exame. Acesso em 01/06/2025.

[4] Desvio de recursos do INSS chega a R$ 5 bilhões em pouco mais de uma década. Acesso em 01/06/2025.

[5] PF e CGU investigam descontos irregulares em benefícios do INSS. Acesso em 01/06/2025.
[6] https://www.bnews.com.br/noticias/politica/pf-aponta-envolvimento-de-senadores-e-deputados-em-fraudes-no-inss-diz-colunista.html. Acesso em 01/06/2925.

[7] PF investiga fraude de R$ 2,3 mi no INSS com participação de servidor | Metrópoles. Acesso em 01/06/2025.

[8] ROTHSTEIN, Bo. The Quality of Government. University of Chicago Press, 2011.

[9] FUKUYAMA, Francis. Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

[10] LINZ, Juan J.; STEPAN, Alfred. Problemas de Transição e Consolidação da Democracia. Rio de Janeiro: Campus, 1996.

[11] O escândalo do INSS e suas consequências | Congresso em Foco. Acesso em 01/06/2025.

[12] MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la. Tradução de Cássio de Arantes Leite e Débora Landsberg. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

[13] Latinobarometro. Acesso em 01/06/2025.

[14] Avritzer, Leonardo. O pêndulo da democracia. São Paulo: Todavia, 2019.

[15] SANTOS, Boaventura de Sousa. A difícil democracia: reinventar as esquerdas. São Paulo: Boitempo, 2016.

[16] DOLANDELI, Rodrigo & RUBIATTI, Bruno de Castro (Organizadores). Partidos e instituições políticas no Brasil contemporâneo. Ponta Grossa/PR: Atena, 2023.

[17] SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

[18] RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

[19] CASTEL, Manuel. Ruptura: A Crise da Democracia Liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

[20] BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

[21] DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis: Vozes, 2012.

O GRANDE GOLPE CONTRA O INSS

Teste crítico à integridade das instituições e o desafio dos partidos políticos.

O GRANDE GOLPE CONTRA O INSS TESTE CRÍTICO À INTEGRIDADE DAS INSTITUIÇÕES E O DESAFIO DOS PARTIDOS POLÍTICOS

O Brasil está diante de mais um escândalo de proporções sistêmicas. Trata-se do maior esquema de fraude já identificado contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com a utilização criminosa de benefícios assistenciais e previdenciários.

6/3/2025

SUBSCRIBE

Subscribe to be updated about latest news and blog posts and to follow what is happening in a magical land of Bali.