
da Sala de Aula ao Projeto de Nação
EDUCAR PARA A PAZ
No dia 21 de abril, o Brasil lembra a “Inconfidência Mineira” ou “Conjuração Mineira” e homenageia Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, mártir da liberdade.
É importante lembrar que no início do século XVIII, Vila Rica já havia se tornado a capital das Minas Gerais, transformando-se na mais próspera cidade brasileira e no principal centro econômico da América portuguesa.
Mais do que um episódio isolado, a Inconfidência marca o primeiro grande movimento na colônia que ousou imaginar a ruptura com a mentalidade colonial — aquela que escraviza o povo, submetendo-o aos interesses externos, nega sua autonomia e bloqueia seu protagonismo.
Hoje, quase dois séculos e meio depois, seguimos enfrentando as heranças desse modelo mental que ainda insiste em impedir o Brasil de se reconhecer como nação soberana.
Neste artigo, refletimos sobre como o ato de Educar para a Paz, começando pela sala de aula, pode ser o mais revolucionário dos projetos — um caminho para formar cidadãos conscientes, críticos e comprometidos com uma nova ideia de nação.


Educar é muito mais do que possibilitar o letramento, transmitir conteúdos programáticos ou dotar de competências e habilidades fundamentais para o desenvolvimento do pensamento lógico e para a compreensão de conceitos matemáticos e de outras áreas. Educar é um ato político, transformador e profundamente humano.
Nesse tempo em que constatamos a escalada da violência, no mundo e, particularmente, na sociedade brasileira que, em nosso caso, é ocasionada sobretudo pela histórica mentalidade colonizada e profunda desigualdade econômica e social, agudizando a crise nos valores democráticos, torna-se urgente resgatar a essência da Educação como ferramenta para a soberania nacional, a liberdade individual e a paz coletiva.
Ao longo de mais de três décadas dedicadas à Educação — seja na sala de aula do ensino fundamental, médio e superior, ou nos cursos de pós-graduação e projetos acadêmicos — compreendi que ensinar é, antes de tudo, um ato de rebeldia, esperança e compromisso com a transformação social.
Essa convicção se fortaleceu também em minha atuação em projetos comunitários, onde a Educação se revela, muitas vezes, como o único horizonte possível para romper com uma mentalidade baseada na inferioridade étnica, cultural e social, a qual coloca em primeiro lugar os valores e as normas do colonizador.
O texto de hoje nasce de uma trajetória político-pedagógica: do ensino-aprendizado no chão da escola, dos diálogos construídos com educandos de todas as idades e níveis acadêmicos e das experiências vividas junto às comunidades, em contextos nacionais e internacionais.
“Educar para a Paz – Da Sala de Aula ao Projeto de Nação” é um chamado para que pensemos a paz não como ausência de conflito, mas como presença ativa de justiça, solidariedade e cidadania. É um convite à construção de uma sociedade onde a Cultura de Paz se torne fundamento de um projeto coletivo para o desenvolvimento do nosso futuro comum.
Boa leitura!
EDUCAÇÃO: ENTRE A FORMAÇÃO E A TRANSFORMAÇÃO
Educação é um processo de aprendizagem, formal ou informal, que visa ao desenvolvimento integral do ser humano, de suas habilidades, competências e potencialidades. Também é uma prática social que acontece em diversos espaços, como a família, a escola, as instituições religiosas, a comunidade, a empresa e a sociedade.
A Educação pode ser vista tanto como uma ferramenta para moldar a forma como as pessoas aprendem e se desenvolvem, quanto como um catalisador para a transformação individual e coletiva. Ao explorar ambos os aspectos, é possível compreender como a Educação pode ter um impacto profundo na sociedade e na vida das pessoas.
Como já deixamos claro, a Educação não se limita apenas à transmissão de conhecimento, mas também desempenha um papel fundamental na formação de indivíduos, na promoção da transformação social e na adaptação às rápidas mudanças que ocorrem no mundo, devendo ser adaptada para atender às necessidades do século XXI, preparando os cidadãos, sobretudo os mais jovens, para serem agentes de mudança e inovação.
Nesse sentido, é possível compreender como a Educação pode ser um instrumento poderoso para o desenvolvimento pessoal e coletivo, contribuindo para o enfrentamento dos desafios e oportunidades do presente e do futuro, tanto na aquisição de carreiras e movimentações profissionais, quanto na conscientização sobre as desigualdades sociais, as mudanças climáticas e os efeitos dos processos da globalização.
A Educação formal, enquanto um sistema de ensino organizado, que acontece em instituições como escolas e universidades, com planejamento estratégico, com conteúdos programáticos, sistematizações e objetivos de aprendizagem, gerais e específicos, são estruturados nas instituições acadêmicas, as quais têm o papel de organizar o conhecimento e preparar o sujeito para o mundo.
Por um lado, como já apontava Paulo Freire, em seu livro clássico “Pedagogia do Oprimido”, quando essa Educação se limita ao “depósito” de informações, ela nega sua própria potência emancipadora. Por outro lado, uma Educação prática, conectada à vida, com metodologias participativas e diálogo com as realidades sociais, é capaz de formar sujeitos críticos e comprometidos com o bem comum.[1]
Pensadores modernos como, entre outros, John Dewey, filósofo e pedagogo norte-americano, um dos principais representantes da corrente pragmatista, inicialmente desenvolvida por Charles Sanders Peirce, Josiah Royce e William James, faz uma profunda defesa sobre um modelo de Educação baseada na experiência, influenciando ainda hoje o debate sobre “Educação e Democracia”.[2]
Autores contemporâneos como Boaventura de Sousa Santos, apresentam-nos importantes estudos, como sua tese sobre os "Saberes do Sul", a qual denuncia as desigualdades de poder entre as nações do Norte e do Sul do planeta, e os impactos negativos que isso causa nas sociedades periféticas ao capitalismo central, mostra-nos que o conhecimento nasce do encontro entre teoria e prática, entre razão e sensibilidade.[3]
Esta é uma visão holística do processo de conhecimento, onde a compreensão do mundo se dá pela combinação entre reflexão teórica e experiência prática, assim como pela articulação entre razão e sensibilidade. Ou seja, a teoria fornece o quadro conceitual e a estrutura para a compreensão, enquanto a prática permite aplicar e testar essas ideias, enriquecendo-as com a experiência sensorial e emocional.
Os “Saberes do Sul” ou “Epistemologias do Sul”, são uma proposta epistemológica de Boaventura de Souza Santos que pretende identificar e validar os conhecimentos nascidos nas lutas sociais contra a opressão que foram fundamentalmente produzidas por três formas de dominação: o capitalismo, o colonialismo e o patriarcalismo.
São epistemologias porque procuram validar conhecimentos, “conhecimentos outros, que não aqueles que estão validados pelas epistemologias européias e norteamericanas, as quais criaram o monopólio da ciência e do conhecimento verdadeiro”.[4]
A “Epistemologia do Sul”, que estuda as diferentes formas pelas quais o ser humano nascido abaixo da Linha do Equador adquire conhecimento, serve de base para a nossa abordagem, tornando-se ainda mais importante em contextos de exclusão social e conflitos constantes, como é o caso de muitas escolas públicas brasileiras, cujos contextos de violência estão se desenvolvendo internamente, em vez de ser causado por fatores externos.[5]
Este modelo pedagógico proposto visa garantir que todos os alunos e alunas, independentemente de suas condições econômicas e sociais, possam aprender e se desenvolver de forma significativa, respeitando suas diferenças e promovendo a convivência comunitária.
Esta metodologia pedagógica é base do nosso projeto denominado de “Gestão de Conflitos e Cultura de Paz”, concentrando-se na construção de um ambiente escolar que acolha a todos, valorizando a história de vida das pessoas e de suas comunidades.
Nosso modelo educativo tem apoio na Teoria da Transdisciplinaridade, articulando saberes na busca de garantir a inclusão social e a participação ativa de toda a comunidade escolar, famílias, organizações sociais locais e empresas, promovendo um ambiente mais equilibrado, acolhedor e seguro.
Essa abordagem é fundamental para lidar com as dificuldades e desafios que muitas escolas públicas brasileiras enfrentam, como exclusão social e conflitos de todos os tipos, preparando os alunos e alunas para a vida adulta, em um mundo cada vez mais complexo, competitivo e globalizado.
UMA VIDA DEDICADA À EDUCAÇÃO: DO QUADRO DE GIZ AOS QUADROS DA COMUNIDADE
Educar sempre foi mais do que uma profissão — foi, e continua sendo, um chamado de vida e um compromisso de alma. Esta sessão celebra a trajetória de quem fez da sala de aula o ponto de partida para transformar vidas, comunidades e futuros.
"Do quadro de giz aos quadros da comunidade" é uma metáfora viva que empresta significado a uma jornada que começou com o gesto simples de ensinar crianças órfãs no Instituto Presbiteriano Álvaro Reis - INPAR (RJ), nos anos de 1980, expandindo-se para a arte de formar cidadãos, lideranças e esperanças.
Aqui, revisitamos as experiências, os aprendizados e os impactos de uma vida entregue à Educação como ferramenta de emancipação individual e transformação social. Mais que uma biografia, é a história de um chamado: ensinar para libertar.
Esse chamado começa com a minha trajetória como voluntário no INPAR e, na sequência, como professor nos Ensinos Fundamental, Médio e Superior, nas disciplinas de Filosofia, Sociologia, Ética e Gestão Estratégica, consolidada em Salvador, através de instituições de Ensino Fundamental e Médio, como o Colégio 2 de Julho, Colégio Vitória Régia e o Villa Global Education, e do Ensino Superior, como a Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, a Universidade Católica de Salvador, a Universidade Estácio de Sá, entre outras. Cada sala de aula foi um espaço de aprendizado mútuo, de escuta ativa e de construção do futuro com novidade de vida.
Como educador, com experiência docente em sala de aula e gestor de projetos sociais, compreendi que o conhecimento precisa dialogar tanto com a comunidade escolar, quanto com a comunidade local, com os sonhos e com os dilemas reais dos estudantes e das pessoas em seus contextos de vida.
A prática docente sempre esteve aliada ao meu compromisso com a justiça social e a democracia, e foi nesse espírito que nasceu o Projeto de Educação para a Cultura de Paz e Gestão de Conflitos (PECPAZ) — uma proposta que surge do chão da academia, da convivência com a juventude e do contato pessoal com as pessoas residentes nas comunidades de Salvador e de outros municípios da Bahia.
PECPAZ: EDUCAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE JUSTIÇA, PAZ E INCLUSÃO
O PECPAZ não é apenas um projeto educacional e social — é uma visão de mundo. Inspirado nos ideais de “Justiça, Paz e Integridade da Criação”, um programa do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), com sede em Genebra, Suíça, cujo objetivo é orientar a ação e a reflexão teológica para transformar o mundo.
Este programa teológico, político e social parte da compreensão de que a violência não se combate apenas com a atuação dos órgãos estatais de repressão, mas com diálogo, empatia, justiça e projetos que desenvolvam oportunidades de criação do futuro.
Nesse sentido, o PECPAZ é desenvolvido através da produção de conhecimento, pesquisas, palestras, cursos, oficinas, rodas de conversa, práticas restaurativas e metodologias colaborativas, fazendo com que o projeto tenha como objetivo principal a formação de agentes multiplicadores da Cultura de Paz dentro da escola, empresas, organizações sociais e da comunidade local.
Mais do que uma proposta pedagógica, o PECPAZ é uma ação política e humanista, que entende a Educação como eixo de transformação da sociedade. Em um país onde a desigualdade é histórica e estrutural, qualquer proposta séria de desenvolvimento econômico e social precisa passar pela família, pela escola e pelas instituições legítimas existentes nas comunidades.
BRIZOLA, DARCY E O SONHO DA ESCOLA COMO FORJADORA DA ALMA NACIONAL
Concluímos reafirmando que Educar para a Paz é mais do que ensinar conteúdos — é formar sujeitos capazes de questionar, propor e transformarem a si próprios e os seus contextos situacionais.
Neste trabalho, onde articulamos educação, cidadania e consciência histórica, propomos o rompimento definitivo com a mentalidade colonial que ainda persiste em estruturas e comportamentos.
Ao cultivar o pensamento crítico, a escuta ativa e o senso de pertencimento, a Educação torna-se a mais poderosa ferramenta para a construção de uma nação soberana, justa e plural — onde o projeto de país nasce, enfim, do seu próprio povo.
Concluímos lembrando as figuras do político Leonel Brizola e do intelectual Darcy Ribeiro, ambos corações trabalhistas que, juntos, ao realizarem os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), compreenderam que a escola deveria ser o coração de um Projeto Nacional de Desenvolvimento.
Não por acaso, Darcy afirmava que “a crise da Educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Para ele, a Educação é o caminho necessário para o desenvolvimento social e econômico de uma nação, afirmação óbvia para o cidadão atento.
Na política, no entanto, a questão da Educação nem sempre figura entre as prioridades, e Darcy Ribeiro sabia disso, dedicando boa parte da sua vida para transformar a Educação brasileira, conforme a sua célebre frase “ou dominamos o saber moderno, ou nós vamos ser recolonizados”.[6]
A partir dessa compreensão, o PECPAZ se conecta diretamente ao princípio educacional desenvolvido pelos ideais de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, na defesa das causas sociais, da liberdade, da democracia, da educação pública de qualidade, do pleno emprego, da fartura, enfim, da “pequena utopia, como dizia Darcy Ribeiro, o “Senador da Educação pública, gratuita, integral e transformadora”.[7]
Enfrentar as investidas dos novos colonizadores exige mais do que boa vontade — exige coragem política, compromisso ético e visão estratégica. É nisso que acreditamos. É por isso que insistimos em nosso “Projeto de Educação para a Cultura de Paz”. Porque, como dizia Paulo Freire, “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.
Ricardo Justo - Educador, Ambientalista e Gestor
Crédito da imagem: https://www.instagram.com/p/DItMd63txVH/
[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
[2] DEWEY, John. Democracia e Educação. Tradução Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.
[3 ] SANTOS, Boaventura de Sousa. O fim do império cognitivo: a afirmação das Epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
[4] Epistemologias do Sul. Acesso em 18/04/2025.
[5] SANTOS, Boaventura de Sousa. Esquerdas do mundo, uni-vos! São Paulo: Boitempo, 2018.
[6] Centenário de Darcy Ribeiro: a Educação brasileira pede socorro - PDT. Acesso em 18/04/2025.
[7] RIBEIRO, Darcy. Testemunho. Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013.
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