
Os Desafios da Sustentabilidade na Gestão Pública.
DESENVOLVIMENTO OU RETROCESSO?
A recente decisão da Prefeitura de Salvador de ceder um terreno localizado na Rua João José Rescala, no bairro do Imbuí, Salvador, Bahia, para uma organização privada de Piracicaba, São Paulo, com o intuito de construir um Centro de Recuperação para Dependentes Químicos, tem gerado apreensão e insatisfação entre os moradores locais.[1]
O terreno em questão abriga atualmente a “Horta Urbana do Imbuí”, um projeto comunitário que revitalizou uma área anteriormente abandonada e utilizada para descarte irregular de lixo, transformando-a em um espaço não só de cultivo de alimentos, mas também de educação ambiental e convivência social.[2]


Alguns moradores, comerciantes e frequentadores do bairro têm expressado surpresa e preocupação com essa decisão da prefeitura municipal de Salvador, destacando que a horta já vinha sendo utilizada há anos, inclusive com o aval do poder público.
Conversamos com alguns moradores que ressaltaram a importância de espaços verdes no bairro, o que serviria para amenizar a sensação térmica, especialmente diante da emergência climática e do aumento das temperaturas, criticando a tendência de "concretagem" urbana que desconsidera a necessidade de áreas verdes.
Em entrevista ao site BNews, o vereador André Fraga (PV) contestou publicamente a iniciativa do Prefeito Bruno Reis, questionando a escolha de uma organização de outra localidade e a desconsideração da existência da horta, que já cumpria uma função social significativa ao promover a integração comunitária e a sustentabilidade.[3]
Fraga diz que um Centro de Recuperação de Dependentes Químicos é importante, mas que seria fundamental avaliar o contexto local. Ele afirma que buscou mais informações sobre a instituição, mas que não as encontrou, além de informar que o CNPJ da referida empresa tem erros, levantando suspeita sobre a idoneidade do ato.
ANÁLISE SOCIOAMBIENTAL
Instalações de concreto representam uma perda significativa para o meio ambiente, pois o cimento é produzido a partir da queima de minerais a uma temperatura de, aproximadamente, 1.450°C, produzindo uma quantidade considerável de gases de efeito estufa.
Além disso, o concreto causa danos à camada mais fértil da terra, o solo superficial. Na construção, o concreto é usado para criar superfícies duras que contribuem para o escoamento superficial que pode causar erosão do solo, poluição da água e inundações.
A preocupação com os impactos ambientais é pauta recorrente no planejamento e estratégia de governos, empresas e organizações, tornando a tentativa de minimizá-los um desafio mundial através da elaboração de medidas efetivas.
No mercado da construção civil não é diferente. Sendo um dos mercados que mais contribui com a poluição ambiental pela produção de resíduos sólidos, a geração de poluição atmosférica, o consumo de energia e de recursos naturais, por exemplo.[4]
Por um lado, existem tecnologias para a mitigação dos danos ambientais, sendo necessário, entretanto, realizar o mapeamento de impactos desde o planejamento, desenvolver estratégias de redução, reutilização e reciclagem de materiais usados na obra.
Por outro lado, o apoio a projetos ambientais tem sido uma alternativa que potencializa a diminuição de danos ambientais, colaborando para a gestão eficiente da mudança climática, além de criar e fortalecer os laços com as partes interessadas, como o que ocorre em projetos socioambientais em parceria entre os setores público, privado e a comunidade.
No Brasil, o crescimento desordenado das cidades, como ocorre em Salvador, guarda uma profunda simetria com as mudanças climáticas, o que contribui sobremaneira tanto com a emissão de gases de efeito estufa (GEE) quanto com as alterações climáticas, sendo, direta e indiretamente, impactadas por elas.
Colocando-se em perspectiva a situação ocorrida recentemente no Rio Grande do Sul, torna-se fundamental a ampliação do debate sobre como fazer com que as nossas cidades sejam mais verdes e conectadas a uma ampla agenda de sustentabilidade.
Este debate deve refletir, por exemplo, sobre como transformar terrenos urbanos ociosos em espaços verdes produtivos, oferecendo condições à população local, bem como aos visitantes, de educação ambiental e interação comunitária.
Os efeitos das alterações climáticas – cheias, secas, calor excessivo – ameaçam o acesso a serviços urbanos básicos, como água, energia, alimentos e tendem a aumentar o número de comunidades urbanas altamente vulneráveis, sendo os mais pobres os que correm maiores riscos.[5]
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta que a agricultura urbana é indispensável para a implantação de um sistema alimentar robusto e resiliente. A produção local de alimentos reduz a dependência de cadeias longas de suprimento, mais vulneráveis a interrupções causadas por desastres naturais, crises econômicas ou pandemias.[6]
Vejamos que desde a Constituição Federal de 1988, a teoria da justiça ambiental, conjunto de princípios que visa corrigir e prevenir desigualdades ambientais, destaca a importância de garantir que todas as comunidades, especialmente as mais vulneráveis, tenham acesso equitativo a ambientes saudáveis e recursos naturais.[7]
A remoção de um espaço verde comunitário para dar lugar a uma construção pode ser vista como uma forma de injustiça ambiental, onde os benefícios e os encargos ambientais não são distribuídos de maneira justa.
A GESTÃO PÚBLICA DE SALVADOR PERMITIRIA UM MODELO DE DESENVOLVIMENTO URBANO NA CONTRAMÃO DAS LEIS E DO FUTURO SUSTENTÁVEL?
Os emblemáticos casos da degradação do “Parque Metropolitano de Pituaçu” e da retirada da “Horta Urbana do Imbuí”, não são episódios isolados, mas um sintoma de um modelo de gestão urbana que ignora a legislação ambiental vigente e desconsidera os impactos das mudanças climáticas.
O que está acontecendo no Imbuí pode estar ocorrendo em outros bairros de Salvador, revelando-se uma administração que age à margem do ordenamento do uso do solo e em contradição com diretrizes fundamentais para a sustentabilidade urbana.
As intervenções no platô do Parque Metropolitano de Pituaçu e, agora, esta doação de terreno, onde existe uma horta urbana, para uma empresa privada de outra cidade, sem diálogo com a comunidade e sem avaliar os impactos ambientais e sociais, vão na contramão da Lei 12.187/2009, que estabelece a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).[8]
Essa lei determina que o desenvolvimento econômico e social deve contribuir para a proteção do sistema climático global, algo que claramente não ocorre quando um espaço verde comunitário é substituído por uma construção de concreto.
Além disso, essa decisão da prefeitura desconsidera a Lei 14.904/2024, que estabelece diretrizes para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima, com o objetivo de implementar medidas para reduzir a vulnerabilidade e a exposição a riscos dos sistemas ambiental, social, econômico e de infraestrutura diante dos efeitos adversos atuais e esperados da mudança do clima.[9]
Tanto o Parque Metropolitano de Pituaçu, quanto a Horta Urbana do Imbuí são, na prática, exemplos dessas soluções: espaços verdes que combatem ilhas de calor, melhoram a qualidade do ar e fortalecem a coesão da comunidade. Destruí-los em nome de um projeto desconectado das necessidades locais é um retrocesso ambiental.
A recente Lei 14.926/2024, modificando a Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea — Lei 9.795, de 1999), determina que a mudança climática e a biodiversidade devem ser incorporadas à educação ambiental nas escolas a partir de 2025.[10]
Como explicar para as famílias do Imbuí que, enquanto suas crianças aprendem sobre a importância da preservação ambiental, o prefeito da própria cidade onde vivem promove a destruição de um espaço ecológico e educativo? Esse tipo de contradição revela um distanciamento entre o discurso e a prática da administração municipal.
A gestão pública deveria estar na vanguarda da sustentabilidade urbana (um dos pilares da Agenda global para o Desenvolvimento Sustentável - Agenda 2030/ODS), promovendo soluções inovadoras e alinhadas às diretrizes nacionais e internacionais de adaptação às mudanças climáticas.
Em vez disso, a gestão municipal demonstra um alinhamento com políticas urbanas ultrapassadas, que privilegiam o concreto em detrimento do verde, e marginalizam projetos comunitários bem-sucedidos em nome de interesses privados.
PROPOSTA ALTERNATIVA À RETIRADA DA HORTA URBANA DO IMBUÍ PARA CONSTRUÇÃO DE UM CENTRO DE RECUPERAÇÃO PARA DEPENDENTES QUÍMICOS
A decisão da Prefeitura Municipal de Salvador de remover a Horta Urbana do Imbuí para dar lugar a um Centro de Recuperação para Dependentes Químicos apresenta impactos significativos para o meio ambiente, a qualidade de vida da população local e a sustentabilidade urbana.
Para conciliar ambas as necessidades — assistência social e preservação ambiental — propomos uma alternativa que integre “Práticas Integrativas e Complementares de Saúde” (PICS) com Desenvolvimento Sustentável Local.
As hortas comunitárias urbanas desempenham um papel fundamental na manutenção da qualidade ambiental local. Os impactos ambientais que ocorrerão com a remoção da Horta Comunitária do Imbuí podem acarretar, entre outros:
Perda da permeabilidade do solo - A substituição da horta por uma estrutura de concreto pode aumentar os riscos de alagamento e enxurradas, agravando o problema de impermeabilização do solo na localidade.
Redução da biodiversidade local - Hortas comunitárias são espaços de preservação da fauna e flora urbana, contribuindo para a manutenção de insetos polinizadores e da biodiversidade local.
Contribuição para o aumento da temperatura e perda do microclima - A vegetação ajuda a reduzir a temperatura do ambiente, absorvendo calor e melhorando o microclima do bairro. Sua remoção pode tornar a área mais quente e menos confortável.
Comprometimento da qualidade do ar - Arbustos e plantas da horta capturam CO₂ e filtram poluentes, melhorando a qualidade do ar. Sem essa cobertura vegetal, a poluição pode agravar.
Esfriamento do engajamento comunitário - A horta promove o acesso ao conhecimento sobre alimentação saudável, o envolvimento social e a educação ambiental. Sua retirada enfraquece esses benefícios.
Proposta Alternativa: Integração entre PICS e Agricultura Urbana:
Manutenção da Horta Comunitária e Criação de um Centro Terapêutico Verde - Em vez de remover a horta, o local poderia ser integrado a um projeto de terapia ocupacional baseada na agricultura urbana.
Atividade sociointerativa - Dependentes químicos em recuperação podem trabalhar na horta como parte do processo de reinserção social e profissional, ajudando na produção de alimentos saudáveis para a comunidade e para seu próprio consumo.
Identificação de áreas alternativas para a construção do Centro de Recuperação de Dependentes Químicos (CRDQ) - A Prefeitura poderia fazer uma consulta pública junto à comunidade para mapear terrenos ociosos ou prédios públicos desativados que possam ser revitalizados para a instalação do CRDQ, sem comprometer áreas verdes existentes, priorizando áreas próximas a equipamentos de saúde e assistência social para maior integração dos serviços.
Implementação de um modelo Sustentável de Recuperação - Além do cultivo de alimentos, a prefeitura poderia financiar a construção de telhados verdes nas Hortas Comunitárias Urbanas, com captação de água da chuva e energia solar, tornando-se referência em recuperação sustentável.
Oficinas de capacitação profissional em agroecologia - Criar possibilidades para os internos de CRDQ que, ao fim do tratamento, tenham uma nova perspectiva de trabalho.
Consolidação do modelo de Parceria Público-Comunitária (PPC) - A comunidade deve ser envolvida no projeto, garantindo que a horta continue ativa e ampliada, com a participação dos moradores, de órgãos municipais específicos e dos internos do CRDQ.
Firmar convênios com universidades e institutos de pesquisa - Promoção de seminários, workshops e cursos de capacitação e desenvolvimento em tecnologias agrícolas urbanas inovadoras.
Criar corredores ecológicos - Ampliar áreas permeáveis para minimizar os impactos da urbanização.
Garantia de mitigação de impactos ambientais - Caso o CRDQ seja construído na área, a Prefeitura deve garantir compensação ambiental, plantando árvores e áreas verdes equivalentes em locais próximos.
Benefícios da Proposta:
✅ Evita a perda de um espaço verde essencial para o bairro;
✅ Concilia assistência social com práticas sustentáveis;
✅ Promove a inclusão produtiva e a reinserção social dos dependentes químicos;
✅ Melhora a qualidade ambiental e a integração da comunidade;
✅ Garante a participação da sociedade na gestão do território.
Essa proposta apresenta um caminho viável para atender às demandas de recuperação de dependentes químicos sem comprometer a horta comunitária do Imbuí, fortalecendo a sustentabilidade urbana e a participação social.
CONVOCAÇÃO PARA MANIFESTAÇÃO COMUNITÁRIA
A conservação e manutenção tanto do Parque Metropolitano de Pituaçu, quanto da Horta Urbana do Imbuí, integrada a um projeto inovador como o Programa de “Práticas Integrativas e Complementares de Saúde” (PICS), representa um caminho muito mais alinhado às leis e ao bem-estar da cidade.
A criação de “Salvador, Cidade da Cultura de Paz”, depende de uma gestão responsável e participativa, que valorize os espaços verdes e a inteligência coletiva da comunidade, razão pela qual os moradores do Imbuí precisam se mobilizar e exigir que suas vozes sejam ouvidas.
Diante da importância desses espaços públicos para o bem-estar social, ambiental e segurança do bairro e da cidade, é fundamental que os moradores do Imbuí e adjacências se mobilizem para expressar suas posições sobre as cessões de terrenos públicos contrários às Leis Ambientais, à Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) e sem a devida consideração dos projetos existentes.
A participação ativa dos cidadãos é crucial para a construção de cidades mais justas e sustentáveis, onde o desenvolvimento urbano seja harmonizado com a preservação ambiental e o fortalecimento dos laços comunitários.
Nesse sentido, uma manifestação pacífica no local chamaria a atenção das autoridades para a necessidade de preservar o “Parque Metropolitano de Pituaçu” e a “Horta Urbana do Imbuí”, buscando soluções que atendam aos interesses da comunidade, promovendo a justiça ambiental e a sustentabilidade urbana.
É hora de agir! A comunidade deve se unir e manifestar sua posição contrária à essa decisão arbitrária da prefeitura, propondo o desenvolvimento e a aplicação de um modelo de cidade sustentável e verdadeiramente democrática.
O Imbuí, assim como outras comunidades de Salvador, não podem continuar na passividade, reféns de um modelo de desenvolvimento urbano predatório, que ignora as necessidades reais da população e despreza o compromisso com o meio ambiente.
Ricardo Justo
Educador, Ambientalista e Gestor
[1] Prefeitura cede terreno de horta comunitária e gera revolta em moradores do Imbuí; vereador contesta. Acesso em 23/03/2025.
[2] Moradores do bairro do Imbuí contam com horta comunitária | A TARDE. Acesso em 23/03/2025.
[3] https://www.instagram.com/bnews_oficial/reel/DGVb8xzutGj/. Acesso em 23/03/2025.
[4] Como diminuir os impactos da construção civil no meio ambiente. Acesso em 23/03/2025.
[5] Cidades e mudanças climáticas: a agricultura urbana como estratégia para o planejamento urbano resiliente - Brasil de Fato.Acesso em 23/03/2025.
[6 ]Agricultura urbana e peri-urbana são oportunidades contra a insegurança alimentar | FAO no Brasil. Acesso em 23/03/2025.
[7] JUSTIÇA AMBIENTAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL: fundamentos teóricos e práticos | Revista da Faculdade Mineira de Direito. Acesso em 23/03/2025.
[8] Política Nacional sobre Mudança do Clima. Acesso em 23/03/2025.
[9] Legislação Informatizada - LEI Nº 14.904, DE 27 DE JUNHO DE 2024 - Publicação Original. Acesso em 23/03/2025.
[10] Lei inclui mudança climática e biodiversidade na educação ambiental — Senado Notícias. Acesso em 24/03/2025.
DESENVOLVIMENTO OU RETROCESSO?
Os Desafios da Sustentabilidade na Gestão Pública.
Crédito das fotos: Instagram @hortaurbanadoimbui.














Horta Urbana do Imbuí
Registros fotográgicos feito no dia da instalação da Horta e Pomar Comunitário "Dois Irmãos Florêncio Boa Morte e Domingos Boa Morte", realizado em 15 de julho de 2023, na rua Estrada das Pedrinhas, também no Imbuí.
Crédito das fotos: Pessoas presentes no dia da instalação.
Desenvolvimento ou Retrocesso? Os Desafios da Sustentabilidade na Gestão Pública
A recente decisão da Prefeitura de Salvador de ceder um terreno localizado na Rua João José Rescala, no bairro do Imbuí, Salvador, Bahia, para uma organização privada de Piracicaba, São Paulo, com o intuito de construir um Centro de Recuperação para Dependentes Químicos, tem gerado apreensão e insatisfação entre os moradores locais.
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