A SOLA SCRIPTURA E O PAPADO: UM OLHAR TEOLÓGICO CONTEMPORÂNEO.

RELIGIÃO E POLÍTICA - UMA HISTÓRIA DE TENSÃO, CHOQUES E ENTRECHOQUES

Desde os primórdios da cristandade ocidental, a partir da centralidade da figura do Bispo de Roma, um novo símbolo emerge como expressão da unidade espiritual e política. Essa relação entre o poder espiritual e o poder terreno tem sido um tema central para a história, a teologia e a filosofia política.

O poder espiritual refere-se à influência e autoridade de uma crença religiosa, enquanto o poder político diz respeito à capacidade de governar e exercer controle sobre uma sociedade. A separação ou interação entre esses dois poderes tem sido um ponto de controvérsia e debates, com consequências significativas para a organização social, política e religiosa.

Para John Frame, teólogo calvinista, conhecido por seus trabalhos em teologia sistemática e de sua busca pela compreensão da fé cristã, aborda a teologia católica buscando pontos de convergência e divergência, além de contribuir para o entendimento mútuo entre os dois ramos do cristianismo.[1]

Ex-aluno de Cornélius Van Til, John Frame apoia a escola pressuposicionalista da apologética cristã, definindo-a da seguinte forma:

                                                                       “Um pressuposto é uma crença que tem precedência sobre outra e, portanto, serve como critério para outra. Um pressuposto último é uma crença sobre a qual nenhuma outra tem precedência. Para um cristão, o conteúdo das Escrituras deve servir como seu pressuposto último. ... Esta doutrina é meramente a manifestação do senhorio de Deus na área do pensamento humano. Ela meramente aplica a doutrina  da infalibilidade das Escrituras ao âmbito do conhecimento”.[2]

O pressuposicionalismo teológico, também conhecido como apologética pressuposicional, é uma abordagem para defender o cristianismo, partindo da premissa de que a verdade cristã é inabalável e que são os pontos de vista opostos que precisam ser provados.

Em sua obra, Frame afirma que, em vez de tentar provar a existência de Deus ou a verdade da Bíblia com argumentos racionais, o pressuposicionalismo busca entender a inconsistência dos pensamentos agnósticos e racionalizantes, demonstrando como eles dependem implícita ou explicitamente dos princípios cristãos.

John Frame defende a sua tese pressuposicional na argumentação sobre como o ateísmo e a idolatria se dependem mutuamente: o primeiro para se rebelar contra Deus e a segunda para encontrar algo para colocar no lugar de Deus.

O autor cria um diálogo fictício onde um cristão e um agnóstico discutem sobre a existência de Deus e, de maneira geral, os principais argumentos da obra embasam a apologética do cristão, apresentando como exemplo um diálogo que constrói pontes, ultrapassando os muros doutrinários.

Ou seja, John Frame reconhece a necessidade de respeito e compreensão mútua entre pessoas de diferentes crenças, argumentando que, embora haja diferenças significativas entre as religiões, o cristianismo deve demonstrar amor e gentileza a todos, incluindo aqueles que não compartilham a sua cosmovisão.

A perspectiva aqui apoia-se nos primeiros reformadores, como Martinho Lutero e João Calvino que, inicialmente, não buscavam romper com a Igreja Católica, mas sim reformá-la. Eles tentaram dialogar com o papa e o clero, buscando mudanças internas para corrigir corrupções e desvios que consideravam presentes na instituição.

Durante o período da Reforma Protestante, quem exercia o papado era Leão X (1513-1521), pertencente à família Médici de Florença e ficando conhecido por sua vida luxuosa e pelas políticas que contribuíram para o cisma religioso, como a excomunhão de Martinho Lutero em 1521.

Os papas na Idade Média participavam de uma realidade dupla: eram monarcas (poder temporal), nos territórios pontifícios e chefes da Igreja (poder espiritual) espalhada nos territórios pontifícios e nos lugares onde os cristãos estavam presentes

As definições do Concílio Vaticano I, acerca do papa, não surgiram aleatoriamente. Os primeiros testemunhos sobre uma primazia romana datam da época de Cipriano de Cartago (210-258), que interveio corroborando a atitude do papa Cornélio (251-253) com relação aos lapsos, ou seja, os apóstatas da fé durante as perseguições.

Cipriano foi o primeiro a falar de uma “cátedra de Pedro” em Roma. Ambrósio (334–397) também escreveu que “onde está Pedro, aí está a Igreja”, e Jerônimo (347-419), dirigindo-se ao papa Dâmaso, registrou: “Não sigo a ninguém como cabeça, a não ser a Cristo somente, e por isso quero permanecer em comunhão contigo, isto é, com a Sé de Pedro. Eu sei que sobre este rochedo está fundada a Igreja”.[3]

De acordo com Edward Gibbon, em sua obra “A História do Declínio e Queda do Império Romano”, o papado na “Antiguidade Tardia”, período da história papal que vai de 313, em que inicia-se a Paz na Igreja, até o pontificado de Simplício, em 476, em que ocorre a queda do Império Romano do Ocidente.

A “Antiguidade Tardia” (313 d.C.) toma lugar na história a partir das concessões de liberdade do imperador Constantino para todas as religiões, mas interferindo, a partir disso, em diversas questões eclesiásticas, originando o “cesaropapismo”, inaugurando a relação entre “Igreja e Estado".

Uma das primeiras demonstrações desse poder estatal exercido pelo líder espiritual da Igreja daquela época, embora fosse de caráter puramente diplomático, como "defensor dos necessitados e da população", foi o confronto do Papa Leão I com Átila, imperador dos hunos, em que Leão I convence Átila a não invadir e saquear Roma.

Além disso, Leão I, “o Grande” (São Leão Magno), cujo papado foi entre 29 de setembro de 440 até sua morte, em 10 de novembro de 461, lutou pela unidade e ortodoxia católicas, desenvolveu uma organização conciliar e sinodal, fundamental no século III, ampliando a importância dos “concílios ecumênicos” convocados pelos imperadores (por questões pragmáticas e também “cesaropapistas”), para proporcionar uma resolução definitiva para os litígios doutrinários na Igreja Católica.[4]

A tentativa de alguns concílios de criarem uma certa independência da autoridade papal, desafiá-la ou mesmo controlá-la, fez com que o Papa Bonifácio I declarasse uma bula papal afirmando que o poder papal é superior ao conciliar e o último não pode julgá-lo.[5]

Vejamos que a questão da autoridade papal, bem como o conceito de infalibilidade, guarda profunda e singular dimensão político-eclesiástica, baseando esse poder no fato de que o bispo de Roma também era um homem de confiança do Imperador.

Lembremos que já o primeiro Édito, de Milão, assinado em 313 por Constantino e Licídio, tornava legal o Cristianismo, e o segundo, de Tessalônica, assinado por Teodósio em 380, fazia do Cristianismo a religião oficial do Império Romano.

Nesse sentido, com o Édito de Tessalônica, publicado pelo imperador Teodósio I, estabeleceu-se que a religião Católica Apostólica Romana, conforme ensinada pelo Papa Dâmaso I, seria a religião oficial do estado e exclusiva do Império.[6]

Para alguns historiadores, o fim do papado na “Antiguidade Tardia” deu-se em 472 d.C., com o início da Idade Média, quando as tribos germânicas invadem e provocam o colapso do Império Romano do Ocidente, tendo as províncias romanas transformadas numa série de pequenos reinos, administrados pelos visigodos, vândalos, francos e a Itália, dominada pelos ostrogodos, iniciando-se o período de interação entre os papas e os reis ostrogodos.[7]

Martinho Lutero, ao fixar suas 95 Teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, não apenas desafiava a prática das indulgências, mas também toda uma estrutura teológica e institucional que considerava contrária ao espírito do Evangelho.

Foi nesse ambiente tenso entre fé, poder e interesses eclesiásticos e políticos, que fez emergir a doutrina protestante, conhecida como “Sola Scriptura” — somente as Escrituras como autoridade suprema em matéria de fé e prática cristã.

Todavia, com o passar dos séculos, essas novas formulações históricas possibilitaram o “sistema Papado", assumindo, também, características de poder temporal, culminando na constituição do Vaticano como Estado soberano em 1929, por meio do Tratado de Latrão, que estabeleceu a Cidade do Vaticano como um estado independente, sob a autoridade do Papa.

Ao longo da Idade Média, esse poder espiritual e político se consolidou, sendo questionado de forma contundente apenas no século XVI, com a eclosão da Reforma Protestante. Hoje, o Vaticano, oficialmente Estado da Cidade do Vaticano, é um Estado soberano que abriga a sede da Igreja Católica, tendo como autoridade máxima o papa.

Neste artigo, como cientista político e estudioso da religião, propomos um olhar contemporâneo, transdisciplinar e dialético sobre essa tensão, explorando a história do Papado, o contexto da Reforma Protestante, a Confissão de Fé de Westminster e os desafios atuais para o diálogo inter-religioso.

  1. O PAPADO NA HISTÓRIA: ENTRE A CRUZ E O CETRO

O Papado nasce como liderança pastoral e missionária, mas, com o tempo, absorve funções políticas que o colocam no epicentro das disputas de poder da cristandade medieval. Atualmente, o Papa, figura central na Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), atua como líder espiritual de mais de 1,3 bilhão de católicos em todo o mundo.

O Dictatus Papae de Gregório VII, no século XI, é um marco da afirmação da supremacia papal não só religiosa, mas também sobre reis e imperadores. A construção do Estado Pontifício e, mais tarde, do Vaticano como Estado moderno, consolidam o Papa como uma autoridade que transcende os limites da espiritualidade.

A crítica protestante ao papado não se deu apenas por razões doutrinárias, mas também por razões políticas. Lutero viu no papado medieval uma instituição corrompida, distante das práticas apostólicas, e associada ao poder eclesiástico que oprimia tanto espiritualmente quanto economicamente os fiéis — sobretudo na venda de indulgências.

A doutrina da “Sola Scriptura” surge nesse contexto: como um grito por liberdade espiritual, desafiando o monopólio interpretativo da Igreja e devolvendo às Escrituras Sagradas (Bíblia) sua centralidade. A ideia de que somente a Escritura é suficiente para a salvação põe em xeque o papel mediador do Papa e da Tradição como fontes normativas.

  1. SOLA SCRIPTURA X TRADIÇÃO: TENSÃO PERMANENTE OU PONTES POSSÍVEIS?

Na teologia reformada, a doutrina da “Sola Scriptura” não nega o valor da tradição, mas recusa sua equiparação à Escritura como norma de fé. No entanto, ao longo dos séculos, o protestantismo demonstrou múltiplas interpretações das Escrituras, gerando fragmentação e novas tradições.

Do outro lado, a Igreja Católica Romana, especialmente após o Concílio de Trento (1545–1563), reafirmou o valor da Tradição Apostólica, entendida como transmissão viva do Evangelho, guardada e interpretada pelo Magistério da Igreja. Para os católicos, a Tradição e as Escrituras não são concorrentes, mas complementares, unidas pela ação do Espírito Santo.

O Magistério da Igreja, por sua vez, é o poder de ensinar e interpretar a Palavra de Deus, exercido pelo Papa e pelos bispos em comunhão com ele. Ambos são fundamentais para a fé católica, atuando em conjunto com a Sagrada Escritura.

No mundo contemporâneo, a pluralidade religiosa e a emergência de novas formas de espiritualidade exigem revisões. A centralidade exclusiva da Escritura pode favorecer interpretações individualistas e sectárias, enquanto o apego exclusivo à Tradição pode engessar o desenvolvimento da fé. O desafio é cultivar um equilíbrio: a fidelidade ao conteúdo essencial da fé e abertura ao diálogo com as diversas leituras do tempo presente.

  1. WESTMINSTER E A CONTEMPORANEIDADE: A REFORMA EM XEQUE?

A Confissão de Fé de Westminster (CFW), um documento fundamental para muitas igrejas reformadas e presbiterianas, foi elaborada pela Assembleia de Westminster, um concílio teológico convocado pelo Parlamento inglês entre 1643 e 1649.

Redigida num contexto de guerra civil inglesa e conflito entre monarquia e parlamento, ela reflete tanto a busca por pureza doutrinária quanto a defesa de uma ordem social que se pretendia sagrada. O objetivo principal era estabelecer padrões doutrinários, litúrgicos e administrativos para a Igreja e, por extensão, a sociedade da Inglaterra, que estava passando por um período de reforma e mudanças.

A Guerra Civil Inglesa (1642-1651) foi um conflito que se destacou pela disputa de poder entre a monarquia, representada pelo rei Carlos I, e o Parlamento. Este conflito é um ponto central na história inglesa, pois marcou a transição da monarquia absoluta para uma monarquia constitucional.

Destaque-se, também, que a “Revolução Puritana”, ocorrida na Inglaterra entre 1641 e 1649, originou pela primeira vez a constituição de uma República (1649-1658) em solo inglês, tendo como líder mais destacado Oliver Cromwell.

A mais, esse foi um dos principais momentos da Revolução Inglesa, que teve ainda a Revolução Gloriosa como desfecho. A principal consequência dessas revoluções foi a consolidação do regime político monárquico parlamentar, colocando fim ao absolutismo na Inglaterra.

A Confissão de Fé de Westminster, documento redigido na Abadia de Westminster, na Inglaterra, em 1647, teve um caráter confessional, rígido e exclusivo, em resposta à realidade de seu tempo, mas hoje necessita ser repensado.

Durante seus cinco anos e meio de atividades, a Assembleia de Westminster produziu três importantes documentos para a tradição cristã reformada, a saber:

  1. Confissão de Fé,

  2. Catecismo Maior,

  3. Breve Catecismo.

A Confissão de Fé foi elaborada como manual doutrinal e confessional da Igreja Reformada, o Breve Catecismo foi escrito para instruir crianças; o Catecismo Maior, para exposição no púlpito. Todos os documentos possuem a mesma orientação teológica, o calvinismo, e não foram adotados pelas comunidades separadamente.

As confissões serviram de instrumento de delimitação doutrinária e marcaram as distâncias entre os que as subscreviam e os adeptos de confissões protestantes “rivais” e do catolicismo romano, entendido pelas igrejas protestantes, daquele contexto, como a suprema apostasia.[8]

As confissões de fé são típicas do período histórico denominado “Modernidade”, cujo contexto social, político e econômico é a Europa Ocidental, onde se deu o nascimento dos Estados modernos e das novas denominações cristãs, que, por sua vez, estiveram diretamente relacionados com os processos de confessionalização vividos pela religião cristã, especificamente na Europa Ocidental dos séculos XVI e XVII.

No século XVIII, o documento serviu de padrão doutrinário para o congregacionalismo da Nova Inglaterra e para os presbiterianos ortodoxos, tornando-se um eficiente mecanismo de unificação da ação pastoral dos cristãos reformados e numa estratégia pedagógica eficaz de divulgação da fé cristã protestante.

O calvinismo presbiteriano exerceu uma influência significativa no desenvolvimento dos Estados Unidos, especialmente na formação da cultura e dos valores norte-americanos. Este modelo de vida, conhecido como "American Way of Life", valoriza o consumismo e a busca pela felicidade material.

Este modelo mental, que se consolidou após a Primeira Guerra Mundial e se fortaleceu durante a Guerra Fria, aprofundou o individualismo exacerbado no “neoliberalismo”, na busca pela felicidade através do consumo e na crença de que a capacidade de melhorar o próprio status social expressa as “bênçãos” de Deus.

À luz das novas realidades políticas, sociais e inter-religiosas, urge revisar certos exclusivismos confessionais e aprofundar o espírito reformador original, que era, em seu âmago, libertário, espiritual e com maior destaque sobre o papel regulador do Estado na dinâmica da vida em sociedade.

O mundo atual, plural, interdependente, formado por sociedades em redes digitais, que além de serem espaços de interação e produção de conteúdo, exercem influência significativa na distribuição de informações e na construção de narrativas contemporâneas, cuja amplitude e alcance também tornam os lideres eclesiásticos mais suscetíveis à propagação de desinformação e notícias falsas, exigindo posturas mais dialogais.

As denominações de matriz protestantes e calvinistas precisam reconhecer os limites de sua fragmentação, cujos excessos podem enfraquecer a mensagem evangélica e dificultar a resposta a desafios comuns, desde a formação de pastores e líderes, até à incorrência em crimes previstos em lei, como as perseguições religiosas e a promoção de ideologias contrárias à vida e, portanto, à fé cristã.

ALÉM DOS MUROS DE ROMA E DE WESTMINSTER - PONTES PARA O DIÁLOGO

A história da cristandade, desde os seus primórdios até aos dias de hoje, ensina-nos que a fé cristã, seja ela mediada pela Escritura ou pela Tradição, tem como foco a busca por sentido, justiça, paz e integridade da boa e perfeita criação de Deus.

A Confissão de Fé de Westminster (1646), um dos documentos fundamentais da tradição reformada e presbiteriana, trata da justiça, da paz e da criação perfeita de Deus em diversos capítulos, como os apresentados a seguir.

  1. A Criação Boa e Perfeita de Deus

A Confissão de Fé de Westminster afirma que Deus criou o mundo “muito bom”, em santidade e ordem, refletindo sua sabedoria e poder:

Capítulo IV – Da Criação, §1: “Aprouve a Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para a manifestação da glória do seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar o mundo e todas as coisas nele contidas, tanto visíveis como invisíveis, em seis dias, e tudo muito bom.”

Essa “criação muito boa” revela o projeto original de harmonia, onde não havia ruptura entre o ser humano, Deus, a natureza e o próximo — ou seja, um estado de paz estrutural e justiça perfeita.

  1. Justiça: Reflexo do Caráter de Deus e Ordem Moral da Criação

A justiça, para os signatários de Westminster, está enraizada no próprio caráter de Deus. Ele é o “juiz justo” e “fonte de toda lei e autoridade moral”:

Capítulo II – De Deus e da Santíssima Trindade, §1-2: “Há um só Deus vivo e verdadeiro, [...] justiça e bondade são a essência do seu ser.”

Capítulo XIX – Da Lei de Deus, §1: “Deus deu a Adão uma lei [...] como pacto de obras, pelo qual Ele lhe requeria obediência pessoal, inteira, exata e perpétua [...].”

Portanto, justiça não é apenas uma norma social ou jurídica, mas a expressão da própria natureza divina e do pacto moral inscrito na criação.

  1. Paz: Fruto da Redenção e da Restauração da Ordem Perdida

Embora a paz original tenha sido rompida pela Queda (Cap. VI), a CFW afirma que, em Cristo, Deus está reconciliando o mundo consigo mesmo, restaurando a paz pela justiça do Salvador:

Capítulo VIII – De Cristo, o Mediador, §5: “O Senhor Jesus [...] satisfez à justiça de seu Pai, reconciliando com ele os eleitos, e adquirindo-lhes uma herança eterna no reino dos céus.”

A verdadeira paz, segundo Westminster, é xalom – plenitude relacional entre Deus, seres humanos e o cosmos, restaurada por meio da redenção e justificação em Cristo.

Capítulo XI – Da Justificação, §1: “Os que Deus eficazmente chama, também justifica gratuitamente, não por infundir neles justiça, mas por perdoar-lhes os pecados e aceitar e imputar-lhes a justiça de Cristo [...] pela fé.”

A criação revela um mundo fundado na paz e na justiça, conforme a vontade de Deus. A justiça é a ordem moral e relacional conforme o caráter divino. A paz verdadeira é consequência da restauração que Cristo opera na história e no coração humano.

A Confissão de Fé de Westminster apresenta uma visão profundamente atual sobre a justiça, a paz e a ecologia, afirmando que a ordem justa e pacífica do mundo foi rompida pelo pecado, mas que Deus, por meio de Cristo, está restaurando todas as coisas.

Assim, a Confissão de Fé de Westminster, substanciando a fé reformada, reconhece que o chamado dos cristãos consiste em viver de modo justo, promovendo a paz e cuidando da criação como testemunho da redenção em curso.

Nesse sentido, enquanto participantes do mesmo princípio histórico, católicos e protestantes compartilham um patrimônio ético, espiritual e cultural comum: a centralidade de Cristo, a prática da caridade, o zelo pela dignidade humana.

No contexto atual, em que o mundo enfrenta guerras, crises de valores e conflitos religiosos, o diálogo inter-religioso torna-se não apenas desejável, mas urgente. A construção de uma Cultura de Paz passa necessariamente pela valorização do outro — inclusive o outro de fé.

A tentativa de rotular pessoas e ideias contrárias, revelando os limites cognoscentes e do sistema de crenças de quem procede dessa forma, tem proporcionado um ambiente de discussões que promovem mais divissão do que unidade.

De fato, vivemos um momento de profundos fundamentalismos, onde o diálogo tem sido enfraquecido e trocado pelo reducionismo da ideia oponente, travestida numa busca de tolerância e diálogo que, devido à superficialidade do conhecimento da posição que se defende e do medo da posição opositora, dá-se todo tipo de abuso do poder, inclusive o abuso do poder pastoral.

O respeito à fé e à prática religiosa do outro, é um direito de todo cidadão em ter liberdade para seguir a sua crença religiosa e parte integrante da democracia e da justiça, na aceitação de que o caminho do outro é tão legítimo quanto o nosso.

É tempo de superarmos a herança da condenação mútua e nos colocarmos como construtores de pontes, não muros. Entre a “Sola Scriptura” das Igrejas Protestantes e a Tradição e o Magistério da Igreja Católica Apostólica Romana, talvez esteja a chave não da divisão, mas do diálogo para um encontro fecundo.

Ricardo Justo - Teólogo, Educador e Gestor

[1] Dr. John M. Frame | Reformed Theological Seminary. Acesso em 10/05/2025.
[2] FRAME, John M. A doutrina do conhecimento de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
[3]JERÔNIMO apud SCHMAUS, Michael. A Fé da Igreja. 2ª.ed. Petrópolis: Vozes, 1983.
[4]TOYNBEE, Arnold. A História e a Religião. Trad. Laura Schlaepfer. RJ: Fundo de Cultura, 1961.
[5] Boniface I, Pope, St. | Encyclopedia.com. Acesso em 10/05/2025.
[6] O Édito de Milão, de Tessalônica e as relações de Constantino e Teodósio com o Cristianismo. Acesso em 10/05/2025.
[7] A Antiguidade Tardia. Acesso em 10/05/2025.

[8] RODRIGUES, R.L. Entre o dito e o maldito: humanismo erasmiano, ortodoxia e heresia nos processos de confessionalização do Ocidente, 1530-1685. Tese de doutorado. São Paulo/SP: USP, 2012.

"O ladrão de pensamentos sussurra mentiras, mas a manipulação é a corrente que aprisiona a liberdade da mente."

A SOLA SCRIPTURA E O PAPADO: UM OLHAR TEOLÓGICO CONTEMPORÂNEO

A SOLA SCRIPTURA E O PAPADO - UM OLHAR TEOLÓGICO CONTEMPORÂNEO

Desde os primórdios da cristandade ocidental, a partir da centralidade da figura do Bispo de Roma, um novo símbolo emerge como expressão da unidade espiritual e política. Essa relação entre o poder espiritual e o poder terreno tem sido um tema central para a história, a teologia e a filosofia política.

5/12/2025

SUBSCRIBE

Subscribe to be updated about latest news and blog posts and to follow what is happening in a magical land of Bali.